No último dia 12 de agosto/2013, fui convidada pelo jornalista Sr. João Francisco da Silva, da TV CIDADE de Joinville, para um bate papo informal sobre crianças e o caso do menino de 13 anos que supostamente matou seu pai, sua mãe, sua avó e sua tia avó, cometendo o suicídio a seguir.
Nossa conversa se inicia pela questão de como se forma uma criança.
Ao olharmos um bebê recém-nascido, podemos ser tomados de assombro, pois estamos diante de um ser imerso em sua prematuridade que vai necessitar de um outro para viver e se humanizar. Necessitará de um máximo de cuidados com alimentação, higiene, segurança, aconchego, carinho e amor. Precisará de alguém que lhe interprete o mundo a sua volta, que lhe guie e lhe de todo o apoio, para que este siga as fases de desenvolvimento necessárias. Sugar, manter ereta a cabeça, o tronco, mastigar, engatinhar, andar, falar, ser introduzido ao código linguístico social, absorver e internalizar a Lei inserida pela célula familiar para que, ao adentrar a sociedade, tenha possibilidade de assimilar as leis que a regem. Não existem fórmulas mágicas para se educar filhos. Sabemos que eles precisam do lugar de filhos nesta família que irá dar a eles carinho, amor e respeito. Que ela deverá mostrar a eles a diferença entre o certo e o errado, transmitindo-lhes princípios de vida. Deve fazer tudo isso com firmeza, equilíbrio e acima de tudo, sem ambiguidades, fazendo com que seus atos sejam conforme suas palavras.
Como psicóloga, compreendo que nosso bebê é imerso num banho de linguagem. Muito antes de nascer, já somos falados. Noutro dia conversava com uma mãe de três filhos, no sétimo mês de gestação de sua quarta filha. Ela me dizia que hoje, como trabalha, sua mãe a ajuda a cuidar dos filhos e curte muito os netos. Confessa que adora estar com os filhos e que já diz a estes que, quando tiverem seus filhos, podem trabalhar tranquilos porque ela irá usar seu tempo para estar com os netos.
O Sr. João conduz a partir daí nossa conversa para a questão da linguagem. Trás a questão para as diferenças entre as línguas, usando como exemplo as latinas faladas em toda a América Latina e também por alguns países Europeus como a Itália, Portugal e Espanha e a língua Germânica. Alude ao fato de que nosso idioma nos oferece uma miríade de palavras para uma significação, enquanto as germânicas não oferecem este recurso. Se trouxermos este fato para uma análise simples, mas não simplista, nos colocamos a pensar em como isso pode afetar um sujeito em desenvolvimento se, como já afirmei acima, esse sujeito necessita de um ambiente que lhe forneça conhecimento sem ambiguidades. Não sei se possa sustentar aqui que o fato de nossa língua nos permitir um vasto vocabulário possa levar nossa sociedade à uma cultura mais permissiva. E, se o fato de a língua germânica ser mais precisa leva seu povo a ser mais civilizado.
O Jornalista nos provoca a pensar em nossas sociedades e suas culturas, algumas mais civilizadas e outras nem tanto. Voltando a questão para as diferenças que se podem observar nessas culturas. Se pensarmos o que é exigido de uma sociedade para que ela seja civilizada, podemos elencar três fatores básicos: Beleza, Limpeza e Ordem. A sociologia nos coloca que quanto mais intelectualizada uma sociedade é, mais civilizada ela será, ou seja, mais valor e respeito ela dará a esses fatores. Porém, se levarmos nosso pensamento adiante e lançarmos um olhar à cultura alemã, altamente intelectualiza, dela se originaram expoentes em todos os campos da cultura. Músicos – Mozart, Bach, Beethoven, Hendel, Wagner e muitos outros. Escritores – Goethe, Schiller, Thomas Mann, Brecht, Heine, só para citar alguns. Enfim, matemáticos, químicos, psicanalistas, biólogos, sociólogos, filósofos/pensadores, muitos dos quais detentores do prêmio Nobel. Magnífico! Mas o que pensar quando esta mesma sociedade erigiu no seu seio também, o que conceituou Hannah Arendt, a “banalidade do mal”.
Em O Mal Estar na Civilização (1930), Freud nos faz lembrar que a agressividade é anterior à civilização. O homem, para civilizar-se, trocou uma parcela de suas possibilidades de satisfação por uma parcela de segurança, a qual encontrou no seio dos grupos que formou, concluindo que a “família” é a célula germinal da civilização. Essa agressividade é internalizada, sendo que a violência é primordial no sujeito humano, e não secundária. Assim, todo sujeito necessita do suporte educacional que a família lhe dá para se humanizar e viver em sociedade.
Em função do que foi colocado, o entrevistador leva-nos a pensar na questão referente ao menino de 13 anos, que esta sendo apontado como suposto responsável pela morte de seus familiares, e que haveria cometido suicídio a seguir. Perguntando se um garoto tão jovem poderia ter feito isso.
Pensando que esse garoto, em função do meio em que vivia – pais policiais que viviam diariamente em contato com situações de violência, crimes, mortes; podemos nos questionar em como essas situações afetavam essas pessoas e como elas falavam disso no ambiente familiar. A mídia nos trás certos elementos para pensar: esse garoto, apesar da pouca idade, tinha uma coleção de armas, de brinquedo, mas armas. Esse garoto, apesar da pouca idade, já sabia dirigir um carro, manusear uma arma – de uso restrito a policiais. Qual pai ensina seu filho a dirigir, a manusear armas, nessa idade? Sabendo que a lei impede uma pessoa dessa idade, de dirigir e de usar armas. Um pai que tem como profissão garantir que a lei seja cumprida? Temos também o fato de esse garoto ser portador de uma síndrome degenerativa, que leva a morte prematuramente. A ciência amplia as condições e a vida do portador, desde que este siga os tratamentos adequadamente. Temos aqui a questão da morte colocada sobre um sujeito de 13 anos, que geralmente nesta idade pensa ser imortal. Colocamo-nos a questionar a forma de relacionamento deste casal e destes, com seu filho. O que era falado sobre a violência, sobre a morte nesta casa?
Vivemos em uma sociedade em que não se pode falar de sentimentos como a raiva o ódio. Não se fala sobre a violência e a morte. A sociedade nega a violência e a morte, não oferecendo a possibilidade de representação e interdição. Em consequência, a violência retorna como algo real. Constatamos esse fato quando nos deparamos diariamente na mídia televisiva e escrita com inúmeras tragédias.
A palavra ódio (odéon), em grego, significa pequeno teatro. O ódio é um fator constitutivo da experiência humana. Penso que estamos vivenciando momentos em que os sujeitos estão atuando seus ódios como condição de se fazer reconhecer por uma sociedade que lhe nega condições mais humanas de viver.
Fiz essa digressão para concluir que sim, esse garoto de 13 anos pode sim, ter realizado tudo que a ele esta sendo imputado. Podemos pensar aqui em um transtorno de personalidade que levou esse garoto a montar o seu teatro para buscar um triunfo sobre a morte e se fazer reconhecer como sujeito.