Conclui meu ensaio sobre a transferência apresentado na jornada de cartéis de 2003, dizendo que: “… a transferência vai permitir desatar o nó sintomal que trava o sujeito, permitindo-lhe claudicar por outros rumos”.
Neste tentei buscar o percurso feito por Freud desde sua descoberta do inconsciente à formulação da neurose de transferência, passando necessariamente por toda elaboração teórica freudiana.
Pois bem, como toda imersão teórica instila novas questões, a compreensão até então emergida, resultou transpassada de questionamentos, ou melhor, inquietações.
As quais abriram-me caminho à leitura de Lacan e seu retorno a Freud.
Minha maior inquietação era como compreender que através de um processo transpassado pela transferência, o sujeito poderia libertar-se desse nó sintomal, se este é estrutural, portanto diz de uma alienação primordial a um outro.
Mas, o que é esta alienação? Houaiss, vai nos dizer que o antepositivo alien pode ser traduzido como: “que pertence a outrem, de outrem”. Assim ação que pertence a outrem.
Lacan vai propor pensar essa alienação constituinte do sujeito através de dois campos: o do sujeito, que vai dizer-nos ser o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer; mas somente depois de perder-se no campo do Outro, para Lacan Lugar onde se situa a cadeia significante que vai comandar o “nascimento” do Sujeito – $ -. Ou seja, Lacan vai introduzir-nos ao movimento pulsionalizante da alienação e separação. Dizendo-nos que o movimento da alienação é recoberto por um vel, assim vel da alienação, pois este vai recobrir duas faltas, a do sujeito e a do Outro. Assim, o Outro – como o lugar onde se situa a cadeia significante – ao demandar sempre algo diferente permite circular a cadeia com o movimento de separação.
O que é separar? É cindir, desunir, deixar de ser uno (Houaiss – verbete separar – item 11). Portanto para Lacan, fundar o inconsciente, estruturado como uma linguagem, deixando o sujeito alienado, mas – no significante.
Creio a partir dessa apreensão, que tentei aqui compactar, com o intuito de não ser redundante, se é que isso é possível, poderei agora voltar a minha inquietação.
Assim compreendo que se este nó sintomal é estrutural, não podemos então jogá-lo aos porcos, pois podemos considerá-lo uma pérola significante que pode ser cambiada na estrutura.
Como? Através da transferência em processo analítico, onde o sujeito pode deixar surgir esta cadeia significante alienada ao sentido do outro, ocasião em que o analista vai tentar instaurar o não sentido, permitindo ao sujeito reelaborar essa determinação significante, ao que Lacan vai afirmar: “… A interpretação não visa tanto o sentido quanto reduzir os significantes ao seu não senso, para que possamos reencontrar os determinantes de toda a conduta do sujeito” (Seminário 11 – p. 201). Interpretação que vai permitir abrir o postigo, como dizia Lacan para que o sujeito possa torcer essa determinação significante, tecendo sua própria significação, para que assim possa apropriar-se de seu desejo. Pois o processo psicanalítico vai permitir-lhe deparar-se com essa falta fundamental no Outro, fazendo-o perceber-se também faltante, deixando-o assim livre para claudicar por outros rumos, pois como Freud já pontuou em Além do principio do prazer, “ MANCAR NÃO É PECADO”.
Artigo apresentado na jornada de carteis da Biblioteca Freudiana de Curitiba no ano de 2004